quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Boémio Cantor

Louzã Henriques

“Era uma boa pessoa, muito ligada aos seus amigos, vivendo sempre num clima de uma certa boémia artística que apreendeu em Coimbra, mas que se prolongou em Lisboa”.

Manuel Pires da Rocha

Naquele ano a Festa (do Avante) foi em Julho. Estivemos uns dias a ensaiar em casa do Manuel Louzã Henriques, seu amigo e camarada desde os tempos de juventude em Coimbra. Com o Adriano Correia de Oliveira nunca se ensaiava. Não era preciso, porque as cantigas sabíamo-las de cor dos comícios, da rádio, dos discos de vinil e capa grande, de outras vozes que lhas foram roubando e entregando nos lugares onde faziam falta. Mas daquela vez ensaiou-se. Porque havia uma cantiga nova, com música que o Adriano tinha composto para um poema de Eugénia Cunhal – «o tempo passa amor / correm os dias…», que ficou por gravar – e o cantor exigiu-se recatos que a vida de andarilho permanente não lhe permitiam (recatos de que nem gostava).

À hora marcada, não me recordo se de sexta-feira se de sábado, subimos ao palco no Alto da Ajuda, o Adriano, eu e o Paulo Vaz de Carvalho, para a última vez em que cantou na Festa do jornal do seu Partido.

daqui:

https://www.avante.pt/pt/2263/argumentos/144864/Adriano-Correia-de-Oliveira-est%C3%A1-connosco.htm?fbclid=IwAR0HSuRrHpYv93QRJRxSG_sGiSiR6AocHAVCkEPVLQkPHS9vDUtgLjRv474

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Odete Antão

Teve um problema, não cantava outras canções necessárias ao tempo, a seguir ao 25 de Abril.

Era uma das vozes mais bonitas e honesto, nunca alinhou no salve-se quem puder. Aconteceu isso, tanto ajudou no antes e depois.

Mas voou com muita tristeza.

"Ponham na minha cova, caneta e papel a jeito, tenho tanta coisa nova a crescer dentro do peito. Pra que amanhã certas......."

Palavras de uma linda canção da Maria Guinot, outra menina também abandonada e esquecida.
RTP Porto - 1982 Programa "Cantos e Contos de Coimbra" de Sansão Coelho À guitarra - Octávio Sérgio À viola - Fernando Machado Soares

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

"Quem tem medo de Virginia Woolf?"

Lembrei-me desta peça de Teatro de Edward Albee, porque quando se fala sobre a vida do Adriano, parece que estamos em clima de medo. As bocas fecham-se, os silêncios prolongam-se, as insinuações permanecem. Como se o falar deste Homem seja um pecadilho, um cutelo sobre a cabeça de quem muito sabe e nada conta.

Palavra que não consigo perceber a razão destes silêncios. A vida de Zeca Afonso é quase um livro aberto, claro que há pormenores da sua vida familiar que só a ele pertence, mas do percurso do Adriano é um caso sério haver quem nos conte o que com ele se passou. Ao esquecimento a que foi votado, aos seus fantasmas, à sua não adaptação, como o disse Zeca, a uma realidade que não era a sua.

O 'Bom Gigante' morreu há 38 anos e ainda há uma história por se fazer.

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Testemunho de Octávio Sérgio

"Conheci-o ainda em Coimbra, embora não convivesse muito com ele. No entanto ainda fui à televisão com o António Portugal e o Rui Pato , em que cantaram o Adriano e o António Bernardino, isso por volta de 1964/65. Aqui cantou três trovas, mas não a do vento que passa, pois a censura não deixou. Mesmo assim ainda deixaram as trovas "Meu pensamento", "Trova do amor lusíada" e "Capa negra, rosa negra".

Já muito depois de deixar Coimbra, encontrei-me com ele em Almada, num espetáculo na Academia Almadense onde fui tocar guitarra com o meu filho na viola e em que também actuava o Adriano. Depois de se ter visto o som, eu e ele demos um passeio por Almada e, muito perto da casa onde eu morava na altura, falando da música de Coimbra, como não podia deixar de ser, veio à baila a Trova do Vento que Passa e então diz-me: "A maior mágoa que tenho foi a de não ter sido também posto o meu nome na autoria da trova". Como sabem, no disco aparecem os nomes de Manuel Alegre e António Portugal. Pela maneira como ele falou, pela tristeza com que o disse e pelo que eu conhecia do seu carácter, fiquei com a certeza que tinha sido sincero.

Outro facto que quero relatar, prende-se com a ida à Televisão do Norte no programa Cantos e Contos de Coimbra, num dia em que eu na guitarra, Machado Soares na viola e Adriano no canto prestámos a nossa colaboração. No final, Adriano sentou-se estafadíssimo num cadeirão e verifiquei o seu lastimoso estado de saúde, com as pernas inchadíssimas. Vieram uns "amigos" do Adriano e atiram com estas baboseiras: "vem daí, vamos beber umas aguardentes". Com amigos destes não há hipótese. Adriano não negava nada a ninguém e foi com eles. Foi a última actuação do Adriano. Morreu um mês depois.

Já agora vou também referir uma actuação no Segundo Festival de Vilar de Mouros, também comigo na guitarra, Durval Moreirihas na viola, Machado Soares, António Bernardino, Gomes Alves a cantar e o meu filho Sérgio Azevedo na viola. Antes tinha actuado Cidália Moreira e o pessoal praticamente não a deixou ouvir-se com a algazarra que fazia. No entanto, quando chegou a nossa vez e os presentes viram quem ia estar em palco, foi silêncio absoluto de princípio ao fim, salvo as palmas, claro. Foi por certo Adriano que acalmou as hostes. A sua figura era respeitadíssima onde quer que actuasse."
Neste vídeo da RTP Porto, de 1982, Adriano canta a Trova do Vento que Passa, acompanhado à guitarra por Octávio Sérgio, e à viola e acompanhamento vocal, por Fernando Machado Soares.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Zeca Afonso - A morte de Adriano

«Presto-lhe a minha homenagem pessoal. Na fase final da sua vida, devido a problemas que não conheço e aos quais não tenho direito de me referir, chegou a uma situação que devia ter exigido um esforço maior da parte dos seus amigos para o ajudar. Tenho-me interrogado sobre se como companheiro de lutas idênticas terei feito tudo o que podia fazer por ele, por um indivíduo que não tinha defesas para aguentar este mundo em que estamos a viver. Ele deu muito de si e nunca se recusava a participar nas coisas»

Zeca Afonso in jornal «o diário» de 2 de janeiro de 1982.