sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Testemunho da filha Isabel Correia de Oliveira

"Quando o Adriano, o meu pai; abruptamente me deixou eu tinha quinze anos. Estava como se costuma dizer no auge da minha adolescência, com tudo de bom e menos bom que qualquer jovem pode viver e aspirar nessa altura. Frequentava a Escola Secundária procurava estudar, às vezes não muito; conviver e divertir-me com os amigos.

Foi pois estranho, confuso, doloroso vê-lo partir, nesse dia, se a memória não me atraiçoa ameno de Outubro, já lá vão precisamente 31 anos. Era o colo, o carinho, a mão firme e amiga que eu perdia. Sim porque o Adriano, o meu Pai, era muito carinhoso, atento e brincalhão comigo ou melhor connosco, eu e o meu irmão José Manuel, que é um pouco mais novo.

Hoje, melhor que ontem, percebo o significado que tem e teve para nós filhos a perca de um pai numa fase tão importante do nosso desenvolvimento como seres humanos. Tanto mais que não era um Pai qualquer, pois era atento, presente, interveniente com os filhos; sempre preocupado para que pudéssemos alcançar o melhor para as nossas vidas.

Para além disto eram tantos os amigos adultos com quem eu jovenzinha convivia, lá em casa, nos jantares ou nos breves ensaios ou nas muitas viagens que também fiz pelo país quando para cantar aqui ou ali me deslocava com ele, a minha mãe e o meu irmão. Não há nada que substitua a sua ausência física, mas nos momentos mais difíceis que terei vivido é justo dizê-lo tive sempre uma boa almofada da minha família materna. E hoje orgulho-me do que ele foi e fez, ao ouvir tantos amigos falarem-me do seu valor, da sua determinação, da sua coragem. Mas principalmente sensibiliza-me muito saber da sua coerência, da firmeza das suas convicções e do seu profundo espírito solidário e amigo.

Teria com certeza os seus defeitos, mas quem os não tem? Nós somos humanos! Mas talvez o maior deles fosse viver intensamente as suas paixões, emoções e convicções e transportar com ele uma enorme solidariedade e disponibilidade para por elas dar o seu melhor.

Durante bastante tempo procurou-se esquecer o Adriano, particularmente a Rádio e a Televisão por omissão passam ao lado da sua obra, talvez por ela estar profundamente enraizada na Revolução de Abril.

O Adriano, o meu Pai; atribuiu a si mesmo uma missão. Lutar pelas suas ideias e através da sua música e das suas canções com a sua voz ímpar levá-las onde fosse necessário. E como todos - camponeses, operários, estudantes, intelectuais sabem, fê-lo com grande empenho e determinação.

Por isso, quem procurar fazer esquecer Adriano, comete uma injustiça e engana-se, porque as suas ideias e a sua obra não se esquecem, nem se apagam. Estão aí e bem vivas.

É com muito prazer que presto este breve depoimento e aproveito para agradecer a todos aqueles que tudo têm feito, para que o Adriano, o meu Pai continue entre nós.

Isabel Correia de Oliveira

foto: a filha Isabel (nasceu em 1967) - lado direito, O bebé é o irmão José Manuel nascido em 1971

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Cantarabril

«A Cantarabril era mais uma central de telefonemas (...) Eu queria fazer uma inventariação de todas as salas de espetáculo, para cativar a malta nova. Em vez disso foi o sectarismo e caiu-se naquela coisa de interesses, de arranjar espetáculos para os amigos. Eu não fiz lá nenhum espetáculo e quando expulsaram o Adriano demiti-me logo.

O Adriano era um personagem sui generis, com os seus problemas, falta de adaptação a uma nova realidade, mas nada disso foi compreendido. Ele ia pouco às reuniões do partido e, quando ia, dizia: o que o Cília disser eu estou de acordo.»

Luís Cília

terça-feira, 6 de outubro de 2020

O Canto de Intervenção

«A canção, antes do 25 de Abril, desempenhou um papel importante, um papel complementar da outra luta, a luta política junto das massas populares e da classe operária. Ela foi o estímulo, o grito de alerta, a denúncia da ausência de liberdade, da exploração na terra e na fábrica, da guerra e da emigração.

Pela minha parte, insisti muitas vezes em fazer canções que pudessem tocar, de certo modo, as pessoas, naquilo que elas pudessem compreender mais facilmente. No caso da guerra colonial, o Ministro da Defesa, o Sá Viana, referiu-se, em dado momento, aos «efeitos demolidores» no moral das tropas que certas canções produziam. Eu tive que responder duas vezes ou três perante a polícia política por causa dessas canções. Portanto: a canção teve uma certa eficácia, nesse aspecto».

Adriano Correia de Oliveira